segunda-feira, 6 de junho de 2011

Era uma vez umas legistalivas


 Tal como se esperava, ontem há noite Pedro Passos Coelho tornou-se o novo primeiro-ministro de Portugal, e não digo isto porque somos bombardeados com sondagens todos os dias há cerca de um mês. Há dois anos, aquando das últimas eleições, o ódio a Sócrates era tão proeminente como agora. Sim, a União Europeia e o FMI ainda não estavam envolvidos, mas o ex-primeiro-ministro teve a sua dose de escândalos fomentados pelos meios de comunicação (o tão falado Caso Freeport ainda estava bem fresco na mente dos portugueses). No entanto o PS tinha a vantagem de ter um líder que não se parecia fisicamente com qualquer tipo de peixe e isso foi o suficiente para voltar a ser eleito, ainda que não tenha conseguido a desejada maioria absoluta conquistada quatro anos antes. E foi aí que tudo foi por água abaixo. A oposição em Portugal cumpre o seu nome com uma eficácia que chega a ser aterradora (não pelo medo em si, mas por dar que pensar onde já podíamos ter chegado se os membros da dita se empenhassem tanto a arranjar soluções para a crise como se empenham para arranjar trocadilhos para as medidas que são discutidas), e a verdade é que nenhum Governo consegue sobreviver se tem de lutar constantemente pela aprovação daquilo que propõe.
É então no rescaldo das legislativas de 2009 que começa a nossa história. O PSD, sempre eficaz no que toca na criação de estratégias que o ajudem a ocupar o lugar cimeiro da Assembleia da República, pôs-se a pensar como foi possível perder contra um homem que era o próprio Satanás em pessoa, o causador de todos os males do país, um corrupto mentiroso e sem escrúpulos, inimigo da liberdade de expressão e, pior ainda, nem sequer era engenheiro. Só podia haver uma explicação: José Sócrates foi eleito como um dos homens mais elegantes do mundo por um jornal estrangeiro...é preciso arranjar alguém que tenha potencial para tal distinção no Partido. Havia o Santana Lopes, mas esse já tinha sido escolhido para o cargo que tanto cobiçavam e não se tinha saído assim tão bem e as outras opções não era viáveis; Aguiar-Branco não estava a envelhecer bem e Paulo Rangel era um caixa de óculos... que tal aquele novato que não escolheram nas últimas eleições porque ainda não tinha assim tanta experiência? Ele até já foi casado com um ex-membro de uma Girls Band. E assim nasceu a presidência de Passos Coelho. Contudo, aconteceu uma coisa estranha: as sondagens não davam assim tanta vantagem ao novo líder. Como era possível? Não só o PSD tinha um candidato apelativo como continuavam a sair notícias todos os dias que davam como certo que José Sócrates era o Anti-Cristo português e era tão mau que nem deixava os jornalistas mostrar entrevistas com vários especialistas em interpretações bíblicas. Passos Coelho até dizia mal dele, coisa que até estava em voga e mesmo assim nada acontecia. O que fazer? Que tal juntar-se ao inimigo e dizer que é tudo pelo interesse nacional?
Então começou a dança das negociações e das abstenções feitas por dever nacional. Sócrates e Coelho dançavam o tango e o povo achou que até era bonito ver que Coelho era um senhor e até nem se importava de pôr as divergências de lado para ajudar o pobre do país. Mas mesmo assim ainda faltava alguma coisa. Agora que o governo tinha uma espécie de apoio da direita, as pessoas podiam ficar com a ideia errada de que os partidos partilhavam interesses. Por isso, com o desemprego e a pressão internacional dos juros, os donos das maiores empresas e os gerentes dos maiores bancos (ou os portugueses que se aborreceram de pensar no modelo de iate que deviam comprar) começaram a falar do FMI. Pelos vistos um par de países europeus pediu ajuda e essa gente deixou cair algum dinheiro por lá. Não foi de graça, claro, mas não era preciso começar a devolve-lo logo e ainda por cima nem eram eles que o iam pagar, era o Estado: melhor ainda, não só não o tinham de pagar como parece que vinham três senhores que obrigavam o governo a retirar carga fiscal ás empresas. Perfeito. Coelho achou o mesmo e o assunto começou a ser discutido todos os dias e finalmente, quando as sondagens começaram a soar a música nos ouvidos do PSD, tanto este como todos os Partidos acharam que era uma boa altura para ir a eleições outra vez até porque o que não faltavam eram fundos para financiar campanhas.
E assim foi. Arranjou-se um PEC para chumbar, demite-se o primeiro-ministro e começa a corrida para o poder. Durante a campanha Sócrates e Coelho correram sempre lado a lado, com Paulo Portas atrás sem saber bem qual dos dois seguir. Ora defendia privatizações, ora defendia a agricultura. Ora defendia medidas de austeridade, ora dizia que as políticas sociais do CDS eram mais de esquerda. Os outros, já sem fôlego, tentavam acompanhar, mas já não tinham força. Tudo isto entre insultos e acusações de quem tinha sido afinal o engenheiro da miséria em que o país tinha entrado. Não podia ser o PSD porque só estiveram no poder dois anos nos últimos dez e o PS fez tudo o que podia e se não fosse a oposição e a crise internacional Portugal até já era uma potência mundial.
Chegada a hora da verdade, Passos Coelho lá conseguiu cortar a meta (e uns bons metros à frente de Sócrates ao contrário do que previam as tais sondagens). Nas redacções da SIC, da TVI e do SOL houve mini-erecções e orgasmos múltiplos."Chegou o nosso Messias", diziam uns. "Cumpriu-se o sonho de Sá Carneiro", jubilavam outros. Até houve festejos nas ruas, como se a selecção tivesse ganhado um qualquer título internacional.
Agora já é outro dia e quando passar a ressaca vamos começar a aperceber-nos não só que tivemos um Portas de brinde, mas que o homem que disse que ia rever a lei do aborto, que defende que a taxa social única deve baixar o mais possível mesmo sem ter feito qualquer estudo, que é do mesmo Partido de um Presidente que se mostrou reticente em promulgar a tal lei do aborto e a união de pessoas do mesmo sexo, veste a mesma côr de um primeiro-ministro que preferiu servir a Europa que o seu próprio país. Vamos ver quem é que vai ficar mal no retrato daqui a uns anos.